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Venezuela X Guiana

14/12/2023 04h31 Atualizado 14/12/2023

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Um apag�o no �pice da crise pol�tica e econ�mica na Venezuela fez Karen Uchoa, de 26 anos, e seu marido, Wendell Camejo, abandonarem o pa�s em 2023. Rec�m-formados em Psicologia, eles j� sofriam com os altos �ndices de desemprego, mas nada comparado �s semanas em que viveram no escuro, sem �gua nem comida.

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� Depois que o pa�s inteiro ficou parado por duas semanas consecutivas, sem eletricidade, as coisas come�aram a piorar e decidimos que n�o dava mais � conta Karen, que hoje � professora de espanhol em um curso de idiomas ministrado por refugiados no Rio de Janeiro e desenvolvedora web.

A hist�ria do casal � um retrato dos mais de 510 mil venezuelanos que deixaram tudo para tr�s e vivem atualmente no Brasil, segundo dados do governo federal. Um movimento recorde que, em 2023, elevou o pa�s da quinta para a terceira posi��o no ranking de principais destinos da popula��o na Am�rica Latina. Mundialmente, o Brasil � a quarta na��o que mais acolhe venezuelanos, atr�s apenas da Col�mbia, Peru e Estados Unidos, respectivamente.

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Hoje, os venezuelanos j� s�o a maior popula��o de imigrantes no territ�rio brasileiro, mas este n�mero pode aumentar ainda mais com o acirramento das tens�es entre a Venezuela e a Guiana por Essequibo, regi�o rica em petr�leo que tamb�m faz fronteira com o Brasil. A secular disputa, reavivada recentemente pelo governo de Nicol�s Maduro, � vista por analistas como uma tentativa de Maduro de angariar popularidade � na expectativa de que, num contexto de elei��o presidencial no ano que vem, o nacionalismo ofusque a profunda crise na qual o pa�s se afundou.

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Mas os problemas que motivaram mais de 7,7 milh�es de pessoas a deixar a Venezuela nos �ltimos anos persistem, e h� quem acredite que eles podem se agravar ainda mais com um eventual conflito.

� A crise migrat�ria dura h� muito tempo porque suas causas persistem e at� pioraram com o tempo. Primeiro, a economia do pa�s n�o se recuperou e, segundo, n�o h� perspectiva de que a situa��o pol�tica mude no curto ou mesmo no m�dio prazo � analisa Mariano de Alba, assessor s�nior e especialista em Venezuela do Crisis Group.

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Interioriza��o como estrat�gia

Desde 2023, quando o governo brasileiro deu in�cio � Opera��o Acolhida para responder ao enorme fluxo de migrantes vindos da Venezuela, quase 1 milh�o de venezuelanos entraram no pa�s, a maioria pela cidade de Pacaraima, em Roraima. Al�m dos postos de recep��o, o programa conta com abrigos e postos de interioriza��o � uma estrat�gia para diminuir a press�o sobre os servi�os p�blicos do estado e integrar os imigrantes ao mercado de trabalho em diferentes partes do pa�s.

Para Carolina Nunes, gerente na ONG Ref�gio 343, que apoia o governo no processo de interioriza��o, a ideia de que os imigrantes colaboram para o desemprego da popula��o local n�o � verdadeira.

� H� muitas evid�ncias de que os imigrantes incentivam a cria��o de empregos e o desenvolvimento da economia local, ent�o eles complementam a for�a de trabalho que j� existe e n�o competem � argumenta Nunes, afirmando que o grupo tamb�m contribui para a maior diversidade de servi�os e representa mais um mercado de consumidores.

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At� outubro, a Opera��o Acolhida registrou mais de 117 mil venezuelanos interiorizados, espalhados por mais de mil munic�pios. Isso equivale a quase um quarto dos venezuelanos que vivem no pa�s.

Os estados mais visados ficam no Sul, segundo dados do Minist�rio do Desenvolvimento Social e a Organiza��o Internacional para as Migra��es (OIM), da ONU. De acordo com o Caged de outubro, a regi�o � respons�vel pelo maior n�mero de postos de trabalho para a popula��o migrante. No entanto, segundo Niusarete de Lima, coordenadora do Subcomit� Federal de Interioriza��o da OIM, o fen�meno se explica tamb�m por quest�es familiares.

� Um fator que contribui para isso � a industrializa��o e oferta de trabalho mais ampla, o que facilita a integra��o econ�mica dos refugiados e migrantes � analisa a coordenadora. � O fato de as pessoas serem interiorizadas para essas localidades tamb�m alimenta um novo ciclo, pois, al�m de haver a op��o laboral, os novos participantes v�o tamb�m pela reunifica��o familiar.

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'Isso aqui n�o � uma democracia'

Apesar de 88% dos venezuelanos que migram para o Brasil virem acompanhados por familiares, para alguns a situa��o ficou t�o insustent�vel que a �nica alternativa foi tentar a sorte sozinho. � o caso de Pedro Luis Zamora, estudante LGBTQIA+ que decidiu sair do pa�s em 2023, quando tinha apenas 20 anos, deixando para tr�s a fam�lia e a faculdade de Engenharia Ambiental. Para ele, a gota d'�gua foi assistir seus amigos serem presos em protestos contra o governo de Maduro.

� Eu pensei: "Isso aqui n�o � uma democracia". Nos protestos, sentia que havia uma persegui��o pol�tica, a homofobia e o machismo reinam � afirma Zamora. � O casamento entre pessoas LGBTQIA+ ainda � ilegal, pessoas trans n�o podem mudar seus documentos, [o preconceito] � uma quest�o tanto institucional quanto cultural.

Hoje, cinco anos depois dabolsa de apostas ufc hojechegada por Roraima e ap�s ter passado pelo processo de interioriza��o, Zamora trabalha na organiza��o Aldeias Infantis SOS no Rio de Janeiro e sonha em estudar Tecnologia da Informa��o (TI). No in�cio, por�m, o jovem precisou morar por um tempo num abrigo.

� Passei por situa��es de preconceito em Roraima por n�o saber o idioma e por l� ter muitos venezuelanos. Entregava meu curr�culo e n�o aceitavam, j� chegaram a rasg�-lo na minha frente � relata, destacando que n�o s�o raras as hist�rias de viol�ncia. � Conhe�o pessoas que moravam na rua e foram agredidas.

De acordo com Alba, a migra��o venezuelana era bem vista pelos pa�ses vizinhos inicialmente, j� que o perfil das primeiras pessoas que chegaram era de maior escolaridade. A situa��o come�ou a mudar com o aprofundamento da crise, que motivou o �xodo de uma camada mais pobre da popula��o.

� A situa��o econ�mica na regi�o come�ou a se deteriorar e isso coincidiu com a migra��o de muitos venezuelanos desesperados para sobreviver, que tiveram que se juntar � economia informal em muitos pa�ses � afirma Alba. � Como resultado, houve fen�menos preocupantes, como a xenofobia, geralmente ligada ao fato de que algumas pessoas acham que os venezuelanos v�m para roubar oportunidades dos locais ou os associam diretamente ao aumento das taxas de criminalidade em algumas cidades.

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'Guerra do povo contra o povo'

A m�dica venezuelana L�gia Carmo, 40 anos, at� conseguiu passar pelos anos mais cr�ticos da crise, mas a situa��o ficou mais dif�cil no ano passado, quando se viu divorciada e com tr�s filhos para criar. Gr�vida, ela cruzou a fronteira de Roraima combolsa de apostas ufc hojefilha de 16 anos, seu filho de 6, ebolsa de apostas ufc hojebeb� na barriga, que pariu em um abrigo da Opera��o Acolhida.

� Amo a Venezuela, mas n�o era poss�vel viver. Ganhava muito pouco, um sal�rio p�ssimo. Al�m da mis�ria, tem a quest�o pol�tica: h� uma guerra do povo contra o povo � justifica L�gia. � O que me fez decidir vir ao Brasil foi a esperan�a de oferecer melhores condi��es para minhas crian�as, que tenham uma profiss�o e uma vida digna.

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A m�dica morou em Roraima com os filhos por sete meses at� conseguir ser interiorizada, em idas e vindas por abrigos. Hoje, ela trabalha como cuidadora na Aldeias Infantis SOS, no Rio de Janeiro, e aguarda a valida��o do seu diploma no Brasil.

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